segunda-feira, 27 de maio de 2013

Doenças genéticas e terapia com células tronco

Uso de células tronco em doenças genéticas: estamos longe disso?

Muito especula-se acerca do uso de células tronco para terapias em doenças genéticas. Antes de entrarmos no cerne desta discussão, precisamos esclarecer alguns fatos e conceitos. Depois, vamos abordar a história do jovem Luke, garoto canadense de 8 anos que realizou tratamento para deficiência de alfa-manosidase, rara doença metabólica de causa genética, com uso de células tronco.

O que são células tronco?

Céluals tronco são células que têm capacidade de originar células de diferentes tecidos e, também, outras células tronco. Nesse sentido, são células não especializadas (i. e., não sofreram processo de diferenciação para formar tecidos específicos como pele, músculo, entre outros). Existem dois tipos básicos de células tronco: as células tronco embrionárias e as não-embrionárias (ou adultas). Existem grandes diferenças entre ambas, tanto técnicas quanto ético-legais. A discussão sobre a utilização de células tronco embrionárias gera muita polêmica e não será o alvo de nossa discussão.

Por outro lado, o uso de células tronco não-embrionárias já existe há décadas no transplante de medula óssea para tratamento de alguns tipos de câncer, como linfoma e leucemia. Nesse tratamento, as células tronco sanguíneas de um indivíduo doente são eliminadas (através de radioterapia e/ou quimioterapia) e substituídas por células de indivíduo compatível saudável. Vale lembrar que o transplante de medula óssea é procedimento complexo e ainda cursa com grande risco de complicações, como infecções. Outro ponto é que esse tipo de célula tronco não envolve a manipulação de embriões e sua extração pode ser realizada em qualquer indivíduo saudável através de aspiração de medula óssea com uma agulha especial.

O jovem Luke e sua batalha contra a deficiência de alfa-manosidase

Foi recentemente divulgada, com autorização de sua família, a batalha de um menino canadense de 8 anos contra uma rara doença genética (veja o original aqui). Tudo começou aos seus três anos e meio de idade, quando foi constatado que Luke apresentava perda de audição e atraso do desenvolvimento neuropsicomotor. Ele passou por série exaustiva de exames até, finalmente, ser encaminhado a um médico geneticista. Luke já havia feito o seu quinto aniversário quando então foi descoberto o seu diagnóstico: ele apresentava deficiência de alfa-manosidase, uma enzima que degrada alguns tipos de açúcares. Na deficiência de alfa-manosidase, ocorre acúmulo dos açúcares não degradados em diversos tecidos do corpo. Desse acúmulo anômalo advém o quadro clínico apresentado por Luke.

O alívio e a aflição

Ao chegarmos a um diagnóstico de doença genética, geralmente pacientes e familiares apresentam sensações dicotômicas: por um lado, estão aliviados com o fim da jornada pela busca a um diagnóstico; por outro, ficam aflitos com as possíveis consequências da doença. Foi exatamente isso que aconteceu com os pais de Luke: a batalha diagnóstica havia encerrado, mas muitas outras batalhas viriam pela frente.

Células tronco em doenças metabólicas de origem genética

Os pais de Luke optaram por realizar o transplante de medula óssea, terapia que utiliza-se de células tronco de linhagem sanguínea. Na deficiência de alfa-manosidase, o objetivo do transplante de medula óssea é repor células capazes de produzirem a enzima faltante e, assim, degradar os açúcares acumulados. Assim como na deficiência de alfa-manosidase, algumas outras doenças genéticas do metabolismo podem ser tratadas com transplante de medula óssea (acesse lista completa no site www.treatable-id.org). No entanto, dentro do grande universo de doenças genéticas, aquelas passíveis de tratamento com transplante de medula óssea são ainda limitadas.

Luke teve uma boa recuperação. No entanto, como houve demora em seu diagnóstico, apresentou algumas sequelas. Vele lembrar que o diagnóstico preciso e em tempo hábil são fundamentais para escolher o tratamento mais apropriado e evitar complicações futuras em diversas doenças genéticas.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Vigilância contra o câncer de pulmão em fumantes

Vigilância contra o câncer de pulmão em fumantes: será que vale a pena?

É de grande conhecimento geral que os indivíduos que fumam têm risco muito aumentado de desenvolver câncer de pulmão ao longo da vida. O risco varia diretamente com a quantidade de cigarros fumados por dia e o tempo de tabagismo.

Em pesquisa publicada no prestigioso The New England Journal of Medicine (acesse aqui), pesquisadores americanos avaliaram se uma estratégia de vigilância para câncer de pulmão em indivíduos que fumam poderia detectar tumores precocemente e, dessa maneira, aumentar as suas chances de sobrevivência frente à doença. O curioso é que a estratégia de vigilância incluía, justamente, tomografias computadorizadas de tórax com baixas doses de radiação. Como vimos em postagem anterior, a exposição à tomografia computadorizada foi relacionada a maior risco de desenvolvimento de câncer.

Na pesquisa, que envolveu 33 grandes centros médicos dos Estados Unidos, mais de 50.000 fumantes sem sintomas ou sinais de doença e com idade entre 55 e 74 anos foram divididos em dois grupos: em um deles, todos os pacientes realizaram tomografia computadorizada de tórax anual, enquanto no outro, os participantes realizaram radiografia de tórax anual. Os pacientes foram acompanhados por três anos.

A frequência de exame alterado para os que realizaram tomografia foi de 27%, enquanto que para os que realizaram radiografia foi de 9%. A grande questão é a seguinte: quantos pacientes realmente tinham câncer?

O câncer de pulmão foi diagnosticado, após confirmação com uso de técnicas invasivas ou cirúrgicas, em somente 4% dos indivíduos com tomografia alterada e em 7,7% nos indivíduos com radiografia alterada. Em números absolutos, 1,1% do total de indivíduos que realizou tomografia tinha câncer de pulmão, enquanto que o câncer foi identificado em 0,7% de todos que realizaram radiografia de tórax.

Podemos concluir, dessa maneira, que a tomografia computadorizada foi mais sensível na detecção de tumores de pulmão. No entanto, houve grande número de falsos positivos (indivíduos com exame alterado, mas que não apresentam câncer), levando a grande número de exames confirmatórios invasivos e caros.

Crítica

A vigilância (i. e. realizar exame em pessoas sem sintomas ou sinais de doença com o objetivo de detectar precocemente uma doença) para câncer de pulmão em indivíduos que fumam provocou grande número de "alarmes falsos", já que a grande maioria das pessoas com o exame (tomografia ou radiografia) alterado não apresentou o câncer. Esses "falsos alarmes" criaram uma grande demanda por procedimentos de confirmação diagnóstica, como novos exames, biópsias e cirurgias. Além disso, o ônus psicológico, familiar e social das pessoas postas na situação de suspeita de câncer de pulmão também deve ser considerado. O estudo também não demonstrou claramente se realizar esse tipo de vigilância prolonga a vida dos indivíduos.

Em suma, a vigilância contra o câncer de pulmão em fumantes vale a pena? Acredito que ainda é muito cedo   para concluir. Fato é que a melhor maneira de evitarmos o câncer de pulmão é parar de fumar! Uma medida muito mais barata, acessível e com resultados garantidos.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Tomografia computadorizada aumenta risco de câncer

Tomografia computadorizada aumenta risco de câncer, mas o quão relevante é isso?

Em estudo publicado ontem no British Medical Journal (acesse a íntegra no site), pesquisadores australianos avaliaram o impacto da realização de tomografia computadorizada no desenvolvimento do câncer. A tomografia computadorizada é um exame de imagem que utiliza radiação ionizante para avaliar diferentes estruturas do corpo.

A radiação ionizante é sabidamente indutora de mutações genéticas quando administrada em altas doses. Dessa forma, a exposição a esta pode induzir a formação de tumores (veja nossa postagem prévia). Os cientistas pioneiros a utilizarem a radiação ionizante em pesquisas no início do século passado foram, também, os primeiros a sofrerem os seus efeitos biológicos: muitos desenvolveram alterações hematológicas, queimaduras de pele e mucosas e, após vários anos, câncer.

A dose de radiação utilizada em exames de imagem, como a tomografia, é ínfima quando comparada com a dose a que os cientistas foram expostos, ou mesmo quando comparada à dose de radiação a qual foram expostos alguns moradores de Goiânia-GO em 1987 (para os que não se recordam, alguns moradores de uma comunidade carente foram expostos ao césio-137; acesse reportagem do UOL).

Será que doses baixas de radiação ionizante podem aumentar o risco de desenvolver câncer anos depois da exposição?


Os pesquisadores australianos avaliaram cerca de 11 milhões de pessoas nascidas entre 1985 e 2005 e compararam a incidência de câncer entre as pessoas que realizaram tomografia computadorizada um ano antes do diagnóstico de câncer e as pessoas que não realizaram o exame. A incidência de câncer foi 24% maior no grupo de pacientes que realizou a tomografia.

Os pesquisadores também observaram que quanto mais jovem o indivíduo ou quanto maior o número de tomografias realizadas, maior a incidência de câncer. Os tipos de câncer associados à irradiação foram vários, incluindo leucemia e outros tumores de linhagem sanguínea, melanoma, tumores intestinais, trato urinário, cérebro, tireóide, dentre outros.

Os autores concluem que a tomografia computadorizada deve ser realizada somente quando estritamente necessária, tomando-se precaução em utilizar a menor dose de radiação possível.

Crítica

Esse estudo australiano avaliou o risco de desenvolver câncer após a exposição a baixas doses de radiação ionizante e concluiu que houve um aumento de 24% na incidência de tumores nos expostos. No entanto, mesmo com esse aumento significativo, o risco absoluto continua baixo tanto para indivíduos expostos à tomografia quanto para não expostos: 48,4 e 39/100.000 pessoas/ano, respectivamente. Dessa maneira, seriam necessárias a realização de cerca de 4.000 exames de tomografia para a ocorrência de um único caso de câncer decorrente da exposição à radiação.

A tomografia computadorizada continua sendo uma importante ferramenta diagnóstica na atualidade. Ainda é exame insubstituível em várias situações e, quando bem indicada, pode salvar vidas. Cabe à equipe médica definir em cada situação distinta se o exame trará mais benefícios do que malefícios.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Câncer de mama hereditário

Câncer de mama hereditário: o que você faria?


Recentemente, a atriz Angelina Jolie expôs sua intimidade ao relatar, em artigo para o jornal The New York Times (leia a íntegra no site), que era portadora de uma síndrome genética que aumenta a chance do desenvolvimento de câncer: a síndrome do câncer de mama hereditário ligado ao gene BRCA1. O assunto levantou muita polêmica, já que a atriz, mesmo não apresentando evidência do desenvolvimento do câncer de mama, optou em realizar mastectomia (retirada da mama) preventiva. O tema também abre espaço para uma discussão mais profunda sobre esse tipo de câncer, seus fatores de risco ambientais e também os fatores de risco genéticos.

Fatores de risco do câncer de mama
Temos dois tipos principais de fatores que aumentam muito a chance de desenvolver câncer de mama. O primeiro deles é genético e está envolvido no câncer de mama hereditário: alterações genéticas herdadas predispõem a um grande aumento da chance de que o tecido mamário sofra a cascata de eventos genéticos (i. e. mutações) que leva ao câncer. Destacamos, nesse contexto, as mutações nos genes BRCA1 e BRCA2: os produtos codificados por estes genes participam do controle do reparo do DNA.

Nós somos expostos a todo tempo a estímulos ambientais que geram mutação no DNA de nossas células. A natureza criou mecanismos que monitoram mutações e, frente a elas, reparam o DNA. Os produtos codificados por BRCA1 e BRCA2 funcionam nesse sentido: policiam danos ao DNA e acionam a nossa maquinaria de reparo. Isso acontece a todo tempo e na grande maioria das células, especialmente nas células da mama e ovário. Mesmo quando esse sistema de checagem e reparo do DNA do qual participam BRCA1 e BRCA2 está em pleno funcionamento, existem falhas. O câncer de mama é consequência dessas falhas.

Quando herdamos (i. e. recebemos de nossos genitores) alterações nos genes BRCA1 ou BRCA2, o mecanismo de monitoração e reparo do DNA pode ser comprometido. É exatamente isto que ocorre na síndrome do câncer de mama hereditário: alterações herdadas nestes genes aumentam a chance do desenvolvimento do câncer ao longo da vida. Essa chance varia de 60 a 80% até os 60 anos de idade. Outros tipos de tumores também são associados a alterações nesses genes: a chance de desenvolver câncer de ovário pode chegar a cerca de 50% até os 60 anos.

O outro fator de risco ao desenvolvimento do câncer de mama é ambiental, envolve características pessoais e estilo de vida: número de gestações e partos (quanto mais partos, menor a chance de desenvolver câncer), amamentação (quanto mais tempo a mulher amamentou, menor a chance de desenvolver câncer), idade de menarca e menopausa (menopausa precoce e menarca tardia diminuem risco), uso de álcool (aumenta risco), uso de anti-concepcionais orais (aumenta risco), reposição hormonal (aumenta risco).

Agora que você já entende parte dos mecanismo que levam ao desenvolvimento do câncer de mama, entende melhor o que é o câncer de mama hereditário e o que é o câncer de mama esporádico (que não está associado a síndrome genética que predispõe ao câncer).


Quando suspeitar de câncer de mama hereditário?
O câncer de mama hereditário deve ser suspeitado quando houver muitos casos na família, várias gerações afetadas, indivíduos com mais de um tipo de câncer e idade precoce de aparecimento de câncer (antes dos 50 anos).

O que você faria?
Angelina Jolie optou por realizar a retirada das mamas como medida preventiva, já que sua chance de desenvolver o câncer pode checar a 80% até os 60 anos de idade. A atriz foi muito criticada (injustamente, a meu ver) pela mídia brasileira por sua opção. E você: se fosse portador de alteração genética que lhe conferisse chance de 80% ao longo da vida, o que faria?

Síndromes familiais de predisposição ao câncer

Síndromes familiais (ou hereditárias) de predisposição ao câncer


Muitas famílias possuem vários membros que desenvolvem câncer de órgãos específicos e em idade precoce. Este fato (i. e. agregação familial de determinados tipos de câncer de início precoce) pode ser decorrente de síndromes familiais de predisposição ao câncer, que são doenças genéticas que aumentam a chance dos indivíduos afetados desenvolver câncer ao longo da vida.

Existem várias síndromes familiais neste contexto, como as síndromes Li-Fraumeni, Lynch, Cowden, ataxia-telangiectasia, Bloom, Costello, Fanconi, melanoma hereditário, neoplasia endócrina múltipla, neurofibromatose, Peutz-Jeghers, polipose adenomatosa familial, Lynch, retinoblastoma hereditário, Rothmund-Thomson, esclerose tuberosa, von Hippel-Lindau, Werner, xeroderma pigmentosum, tumor de Wilms hereditário e câncer de mama hereditário relacionado aos genes da família BRCA.

Nas últimas semanas, ganhou grande destaque da mídia nacional e internacional o fato da atriz Angelina Jolie afirmar, publicamente, ser portadora de alteração genética no gene BRCA1 e que optara por realizar a retirada da mama (mastectomia) como medida preventiva (vale lembrar que Angelina não desenvolveu o câncer de mama) frente ao grande risco futuro de desenvolver câncer de mama.

E você, o que faria frente à situação enfrentada por Angelina Jolie? O câncer de mama hereditário será o assunto de nossa próxima postagem.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

A genética do câncer

A genética do câncer

O que é o câncer do ponto de vista da genética

Todos os tipos de câncer são decorrentes de uma série de alterações genéticas consecutivas de células normais. Essas alterações vão ocorrendo ao longo do tempo, em cascata de eventos independentes, determinando, desta maneira, a perda de mecanismos de controle celular normais. A célula alterada (i. e. mutada) pode começar a funcionar de maneira errática, iniciar processo de divisão celular incontrolada e invadir outros tecidos. O câncer é o grupo de células que sofreu essa cascata de alterações genéticas, perdeu o funcionamento normal e adquiriu a capacidade de invadir outros tecidos.

Essa cascata de alterações que origina o câncer pode ocorrer em qualquer órgão de qualquer pessoa. Existem muitos fatores de risco, como o estilo de vida, tabagismo, obesidade, dentre outros, que aumentam a chance da cascata do câncer acontecer. Também existem importantes fatores genéticos familiais que aumentam muito a chance de indivíduos de determinadas famílias desenvolverem o câncer ao longo da vida. São estas as síndromes genéticas de predisposição ao câncer. Este será o assunto de nossa próxima postagem.

Até breve.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Blog

17/05/2013

Nesta fria madrugada paulistana, está dado o pontapé inicial neste blog que tem, como objetivo, explanar sobre os avanços da genética na medicina e o que isso pode contribuir na vida das pessoas.

Até breve!