quarta-feira, 5 de junho de 2013

Frutose: o novo vilão da obesidade?

É, ao mesmo tempo, engraçado e constrangedor assistir ao vai-e-vem das recomendações científicas sobre qual seria a melhor dieta para uma vida saudável. Nos anos 90, a ingesta de gordura foi eleita como a grande vilã da obesidade e combatida como inimiga pública número um! Nesta mesma época, achava-se que um grande consumo de açúcar seria benéfico, já que diminuiria a ingesta das gorduras. Chamamos, aqui, de açúcar o carboidrato cristalizado que usamos diariamente para adoçar o cafezinho ou confeccionar doces (obs: o termo açúcar, em meio científico, é muitas vezes utilizado como sinônimo de carboidrato).

Cerca de uma década mais tarde, ocorre uma grande inversão de papel: a American Heart Association rebaixa o excesso de açúcar de mocinho a vilão, recomendando grandes cortes no seu consumo diário. Hoje, alguns especialista consideram ser o açúcar o grande responsável pela epidemia de obesidade e diabetes no mundo. Nesse contexto, a frutose, um tipo de carboidrato primordial, teria grande parcela de culpa.

O nosso açúcar do dia-a-dia

O açúcar que utilizamos diariamente é provido da cana-de-açúcar e é rico em sacarose. A sacarose é uma molécula formada a partir de dois carboidratos: glicose e frutose. A frutose, muito abundante nas frutas, é cerca de duas vezes mais adocicada que a glicose. Existem grandes diferenças entre o metabolismo destes dois carboidratos. Estas diferenças e suas consequências para a saúde foram recentemente retratadas no The Journal of the American Medical Association (acesse aqui o original).

Enquanto que a glicose, após ser absorvida, promove liberação de insulina e facilita tanto a produção de glicogênio (reserva de glicose) como sua utilização em todo o organismo, a frutose não o faz. Dessa maneira, a frutose é quase que inteiramente metabolizada pelo fígado, através de modulação de cascatas metabólicas, e é utilizada para a confecção de gorduras. Esse excesso de gorduras produzido pelo fígado pode gerar acúmulos e contribuir para a esteatose hepática, resistência à insulina, aumento dos triglicerídeos e obesidade. Esse acúmulo anômalo de lípides também foi relacionado a aumento de processo inflamatório dos vasos sanguíneos e, consequentemente, a hipertensão arterial. É importante ressaltar que esse complexo sistema metabólico é modulado por diferentes cascatas metabólicas orquestradas por muitos genes.

Antes de tirarmos conclusões excessivamente alarmistas, vale lembrar que muitos dos estudos que avaliaram os efeitos maléficos da frutose utilizaram grandes doses da mesma - doses muito acima das existentes nas frutas. Além disso, a maior parte da ingestão de frutose é feita junto com a glicose (na forma de sacarose, como vimos acima), impossibilitando diferenciar com precisão os efeitos exclusivos da frutose daqueles decorrentes da associação frutose-glicose. Dessa maneira, ainda é cedo para quaisquer recomendações de substituição de frutose por produtos que contenham exclusivamente glicose.

E as frutas?

Como sabemos, as frutas são as principais fontes de frutose da natureza (cada fruta pode conter 10 gramas de frutose). Se grandes doses de frutose fossem realmente tóxicas, os indivíduos que consomem muitas frutas deveriam sofrer os efeitos deletérios. Mas isso não acontece! Muito pelo contrário: grande ingesta de frutas é claramente associada a perda de peso e diminuição de hipertensão arterial e de outros riscos à saúde.

Podemos especular que não é a quantidade de frutose que faz mal, mas sim a velocidade em que a frutose é absorvida. Enquanto que a frutose do açúcar é rapidamente absorvida podendo sobrecarregar o fígado, a frutose das frutas é lentamente absorvida pelo fato de a última ser rica em fibras não absorvíveis.

Salva pela fruta, condenada pelo açúcar

É importante ressaltar que a frutose proveniente das frutas é fonte saudável e segura de energia e o consumo de frutas deve fazer parte da nossa base alimentar. No entanto, o consumo exagerado do açúcar está diretamente relacionado com obesidade e outros fatores de risco para a saúde e a rápida absorção e metabolização hepática de frutose tem papel importante neste processo.

Dessa forma, o consumo de frutose não pode ser nem condenado e nem absolvido. Mas deve ser moderado, escolhendo-se a fonte certa (frutas) em detrimento das maléficas (açúcar). Para mais dicas de vida saudável, acesse o blog da nutricionista fitness.

domingo, 2 de junho de 2013

Genética e medicina personalizada: a próxima página da medicina?

Nos últimos anos, surgiu um novo "conceito-grife" na medicina alcunhado medicina personalizada. Nesse conceito, a abordagem e cuidados médicos seriam plenamente customizados e específicos para cada indivíduo. Essa abordagem individualizada e personalizada poderia ser utilizada em todos os aspectos da saúde, desde criar um esquema especial de vacinação, até estratégias de vigilância individualizada, consultas médicas direcionadas ou mesmo medicamentos específicos para cada indivíduo.

O que outrora parecia filme de ficção científica parece ganhar realidade com o avanço da genética, já que caminha a largos passos o melhor conhecimento do genoma e de como as variações genéticas modificam a resposta de cada indivíduo frente às doenças. Seguindo esse conceito, não é difícil imaginar que cada indivíduo poderia, já desde o nascimento, ganhar o seu "mapa da vida", determinando quais são seus maiores risco de saúde, a melhor dieta, o melhor esporte, o melhor medicamento e, quem sabe, a época provável de sua morte...

Deixando de lado a ficção e o pavor (pelo menos o do autor) de poder ter uma vida totalmente determinada (ou personalizada), fato é que a medicina personalizada pode trazer benefícios. Alguns deles já seriam factíveis com as tecnologias vigentes, enquanto que outros estariam muito próximos de um pleno desenvolvimento, como enumerados a seguir. Primeiramente, seria possível classificar indivíduos em grupos de risco para desenvolvimento de determinadas doenças (por exemplo: câncer, diabetes, hipertensão) e adotar estratégias específicas de seguimento médico. Também poderíamos prever reação adversa a determinados medicamentos ou mesmo se um medicamento seria eficaz em determinado indivíduo.

No entanto, esse novo conceito pode entrar em conflito com outra vertente amplamente difundida e adotada na prática médica: a medicina baseada em evidência.

Medicina baseada em evidência

Há algum tempo que a medicina é regida por essa outra visão filosófico-científica conhecida como medicina baseada em evidências. Nesta abordagem, as medidas terapêuticas e preventivas são adotadas baseadas em pesquisas clínicas e literatura médica bem fundamentadas.

Um exemplo desta abordagem é a suplementação de ácido fólico no primeiro trimestre de gestação por todas as gestantes ou realização de triagem de câncer de mama em mulheres acima dos 50 anos (para uma melhor revisão sobre o assunto, acesse brilhante texto no blog do seu médico da família).

A medicina baseada em evidência utiliza-se, muitas vezes, de raciocínios lógicos e matemáticos que pesam os riscos e benefícios das ações em saúde através de grandes estudos populacionais (i. e., não individualizados). Dessa forma, ajuda a decidir se determinado tratamento, prevenção ou estratégia de seguimento pode fazer mais bem do que mal nos indivíduos a partir de dados populacionais.

Medicina baseada em evidência X medicina personalizada

Essa grande dicotomia foi retratada nesta semana por um editorial no The Journal of the American Medical Association (acesse aqui). O conflito entre as duas vertentes seria suspender um tratamento que é amplamente recomendado pela literatura médica por não ser eficaz ou trazer malefício para determinado indivíduo. Além disso, ainda não existe evidência (!) de que o conceito medicina personalizada possa trazer mais benefícios do que malefícios.

Medicina personalizada: conceito novo ou volta ao passado?

Há séculos que a medicina sempre fora unicamente alicerçada por uma forte relação entre o médico e o paciente e, neste sentido, totalmente individualizada e nada mais. Com o desenvolvimento tecnológico, o distanciamento entre médico e paciente e o surgimento da medicina populacional baseada em evidência, ela deixou de ser centrada no indivíduo (i. e., o paciente). Ironicamente, o mesmo avanço tecnológico pode, enfim, trazer a medicina de volta a seus primórdios: a velha página da medicina.