domingo, 2 de junho de 2013

Genética e medicina personalizada: a próxima página da medicina?

Nos últimos anos, surgiu um novo "conceito-grife" na medicina alcunhado medicina personalizada. Nesse conceito, a abordagem e cuidados médicos seriam plenamente customizados e específicos para cada indivíduo. Essa abordagem individualizada e personalizada poderia ser utilizada em todos os aspectos da saúde, desde criar um esquema especial de vacinação, até estratégias de vigilância individualizada, consultas médicas direcionadas ou mesmo medicamentos específicos para cada indivíduo.

O que outrora parecia filme de ficção científica parece ganhar realidade com o avanço da genética, já que caminha a largos passos o melhor conhecimento do genoma e de como as variações genéticas modificam a resposta de cada indivíduo frente às doenças. Seguindo esse conceito, não é difícil imaginar que cada indivíduo poderia, já desde o nascimento, ganhar o seu "mapa da vida", determinando quais são seus maiores risco de saúde, a melhor dieta, o melhor esporte, o melhor medicamento e, quem sabe, a época provável de sua morte...

Deixando de lado a ficção e o pavor (pelo menos o do autor) de poder ter uma vida totalmente determinada (ou personalizada), fato é que a medicina personalizada pode trazer benefícios. Alguns deles já seriam factíveis com as tecnologias vigentes, enquanto que outros estariam muito próximos de um pleno desenvolvimento, como enumerados a seguir. Primeiramente, seria possível classificar indivíduos em grupos de risco para desenvolvimento de determinadas doenças (por exemplo: câncer, diabetes, hipertensão) e adotar estratégias específicas de seguimento médico. Também poderíamos prever reação adversa a determinados medicamentos ou mesmo se um medicamento seria eficaz em determinado indivíduo.

No entanto, esse novo conceito pode entrar em conflito com outra vertente amplamente difundida e adotada na prática médica: a medicina baseada em evidência.

Medicina baseada em evidência

Há algum tempo que a medicina é regida por essa outra visão filosófico-científica conhecida como medicina baseada em evidências. Nesta abordagem, as medidas terapêuticas e preventivas são adotadas baseadas em pesquisas clínicas e literatura médica bem fundamentadas.

Um exemplo desta abordagem é a suplementação de ácido fólico no primeiro trimestre de gestação por todas as gestantes ou realização de triagem de câncer de mama em mulheres acima dos 50 anos (para uma melhor revisão sobre o assunto, acesse brilhante texto no blog do seu médico da família).

A medicina baseada em evidência utiliza-se, muitas vezes, de raciocínios lógicos e matemáticos que pesam os riscos e benefícios das ações em saúde através de grandes estudos populacionais (i. e., não individualizados). Dessa forma, ajuda a decidir se determinado tratamento, prevenção ou estratégia de seguimento pode fazer mais bem do que mal nos indivíduos a partir de dados populacionais.

Medicina baseada em evidência X medicina personalizada

Essa grande dicotomia foi retratada nesta semana por um editorial no The Journal of the American Medical Association (acesse aqui). O conflito entre as duas vertentes seria suspender um tratamento que é amplamente recomendado pela literatura médica por não ser eficaz ou trazer malefício para determinado indivíduo. Além disso, ainda não existe evidência (!) de que o conceito medicina personalizada possa trazer mais benefícios do que malefícios.

Medicina personalizada: conceito novo ou volta ao passado?

Há séculos que a medicina sempre fora unicamente alicerçada por uma forte relação entre o médico e o paciente e, neste sentido, totalmente individualizada e nada mais. Com o desenvolvimento tecnológico, o distanciamento entre médico e paciente e o surgimento da medicina populacional baseada em evidência, ela deixou de ser centrada no indivíduo (i. e., o paciente). Ironicamente, o mesmo avanço tecnológico pode, enfim, trazer a medicina de volta a seus primórdios: a velha página da medicina.

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